
Sombras do Caos
Seis meses após a queda de Altara, a rebelião está morrendo. Mas quando fendas dimensionais começam a se abrir, Kael e seus aliados descobrem que o verdadeiro inimigo não é a Ordem Celestial - é algo muito mais antigo e terrível.
Sobre a História
📚 SOMBRAS DO CAOS
Livro 2 - Universo Fragmentado
PRÓLOGO: O DESPERTAR
Núcleo de TERD, 100 anos atrás
A câmara pulsava com energia proibida. Sete magos, representantes das Sete Cidades Aéreas, formavam círculo ao redor do abismo. Suas vozes ecoavam em uníssono, palavras em língua morta que faziam a realidade tremer.
No centro, um jovem de cabelos negros observava com expressão grave. Elias Thorne, o mais brilhante pesquisador de sua geração, ergueu a mão.
"Isso é insanidade," sua voz cortou o cântico. "Taumaturgia do Vazio não é magia. É pacto com algo que não compreendemos."
O Arcano Supremo, homem de barbas brancas e olhos febris, riu. "Compreensão é luxo de tempos de paz, garoto. Estamos perdendo a guerra."
Abaixo deles, o abismo se abria como ferida na realidade. Sombras dançavam contra a luz impossível que emanava das profundezas. Sussurros — não palavras, mas conceitos puros de fome e vazio — rastejavam pelas mentes dos presentes.
"As raças inferiores nos superaram em número," continuou o Arcano. "Mas nós temos o que eles nunca terão. Conhecimento. Poder. E a coragem de usá-los."
Elias olhou para o abismo. Por um instante, algo olhou de volta. Não tinha forma. Não tinha nome. Mas tinha fome.
"Vocês não entendem o que estão libertando," Elias sussurrou.
"Libertando?" O Arcano sorriu. "Estamos controlando."
O ritual alcançou o clímax. Luz negra explodiu do abismo, engolfando a câmara. Gritos ecoaram — não de dor, mas de êxtase profano. Os magos convulsionaram, corpos arqueando enquanto poder inundava suas veias.
Lá fora, em todo TERD, a guerra terminou instantaneamente. Exércitos inimigos simplesmente... pararam. Soldados caíram de joelhos, olhos vazios, mentes apagadas por força além da compreensão.
Vitória absoluta. Sem luta. Sem resistência.
Na câmara, o Arcano Supremo riu, lágrimas de sangue escorrendo por seu rosto. "Vencemos!"
Elias não celebrou. Ele olhou para o abismo — agora selado, mas ainda pulsando. Algo lá embaixo esperava. Paciente. Eterno.
E quando ele piscou, por fração de segundo, seu reflexo na superfície do selo não era humano.
"E assim," uma voz ecoou — vinda de lugar nenhum e de todos os lugares — "para ganhar a guerra, eles perderam o mundo."
O selo tremeu. Rachaduras microscópicas se formaram.
O relógio começou a contar.
PARTE 1: FISSURAS
CAPÍTULO 1: CICATRIZES DE FOGO
Seis meses após a Queda de Altara
Kael observava a cidade queimar à distância. Fumaça negra subia em espirais, manchando o céu já cinzento de TERD. Mais uma vitória da Ordem. Mais uma derrota para a rebelião.
"Perdemos dezessete," Grimjaw rosnou ao seu lado, limpando sangue da lâmina. "Eles perderam três."
Kael apertou os punhos. Seis meses. Seis meses desde que incendiaram o depósito em Altara. Seis meses desde que o mundo descobriu que as Cidades Aéreas podiam sangrar.
E o que mudou? Nada. A Ordem bombardeava com mais força. A fome nas ruas piorava. E a rebelião... a rebelião estava morrendo.
"Precisamos recuar," Kael disse, voz rouca de fumaça e derrota.
Grimjaw bufou. "Recuar. De novo."
"Viver para lutar outro dia."
"Ou morrer lentamente de qualquer forma."
Kael não respondeu. O que poderia dizer? O draconato estava certo. Eles estavam perdendo. Não rápido, não dramaticamente — mas inexoravelmente, como areia escorrendo entre dedos.
A base rebelde ficava nos Subúrbios de Escória, labirinto de túneis sob a cidade. Antigamente, eram minas. Agora, eram tumbas em potencial.
Nix os esperava na entrada, olhos brilhando na escuridão. A tiefling parecia mais magra, mais pálida. Todos pareciam.
"Como foi?" ela perguntou, mas já conhecia a resposta.
"Ruim," Kael respondeu.
"Theron está apertando o cerco," Nix continuou, seguindo-os pelos túneis. "Patrulhas triplicaram. Estão usando magia de rastreamento agora."
"Ótimo," Grimjaw resmungou. "Porque não estávamos ferrados o suficiente."
Eles entraram na câmara principal. Cinquenta rebeldes — tudo que restava de movimento que já contou centenas. Rostos cansados, olhos vazios. Lyra estava curando feridos, mãos brilhando com magia divina. Zara afiava espada, expressão sombria.
Ícaro estava ausente. Novamente. Voando missões solo, salvando quem podia.
Kael subiu na plataforma improvisada. Todos olharam para ele, esperando palavras de inspiração. Esperando esperança.
Ele não tinha nenhuma para dar.
"Descansem," foi tudo que disse. "Amanhã planejamos o próximo movimento."
Mentira. Não havia próximo movimento. Apenas sobrevivência. Mais um dia. Mais uma noite.
Kael se afastou antes que alguém pudesse questionar. Nix o seguiu.
"Tem algo errado," ela disse quando estavam sozinhos.
"Além do óbvio?"
"Não. Quero dizer... errado. Estou sentindo algo. Nos túneis. Nas sombras."
Kael parou, olhando para ela. "Que tipo de algo?"
"Não sei. Mas—"
O chão tremeu.
Não foi terremoto. Foi algo mais profundo. Mais errado. Como se a realidade tivesse soluçado.
Gritos ecoaram da câmara principal.
Kael e Nix correram de volta. O que viram congelou seu sangue.
No centro da câmara, o ar estava... rasgado. Literalmente. Uma fenda vertical, bordas irregulares brilhando com luz que não deveria existir — não negra, não branca, mas ausência de cor.
E de dentro dela, algo estava emergindo.
CAPÍTULO 2: ATRAVÉS DA FENDA
Nix não conseguia tirar os olhos da coisa.
Não tinha forma definida. Sombras que se moviam contra a luz. Membros que existiam e não existiam. Olhos — dezenas deles — que piscavam em lugares impossíveis.
E os sussurros.
Junte-se... liberte-se... deixe ir...
"RECUEM!" Kael gritou, empurrando rebeldes para trás.
A criatura — se podia ser chamada assim — flutuava para fora da fenda. Onde tocava o chão, pedra apodrecia. Onde passava, o ar congelava e queimava simultaneamente.
Grimjaw rugiu, investindo com machado erguido. A lâmina cortou através da criatura... e continuou. Como se cortasse névoa. A criatura nem reagiu.
Mas então um tentáculo de sombra chicoteou, acertando Grimjaw no peito. O draconato voou para trás, batendo contra a parede. Fumaça subia de onde a sombra o tocara, carne chiando.
"Armas não funcionam!" Zara gritou, mas já estava atacando também. Espada flamejante cortou — desta vez, a criatura sentiu. Recuou, sibilando.
"MAGIA!" Lyra compreendeu. Suas mãos brilharam, luz divina jorrando em raio concentrado. A criatura guinchava, retorcendo-se.
Nix sentiu algo estranho. A fenda... a chamava. Como se reconhecesse algo nela. Algo familiar.
Ela deu um passo à frente.
"Nix, NÃO!" Kael a puxou de volta.
A distração foi suficiente. A criatura investiu, tentáculos multiplicando-se. Rebeldes gritaram, fugindo. Lyra e Zara mantinham a linha, magia e aço flamejante criando barreira.
"Precisamos fechar isso!" Zara gritou.
"Como?" Kael retrucou.
A criatura hesitou. Por um momento, pareceu... avaliar. Então, deliberadamente, recuou. Deslizou de volta para a fenda.
E a fenda começou a fechar.
Em segundos, desapareceu. Como se nunca tivesse existido.
Silêncio.
Nix caiu de joelhos, tremendo. Kael se ajoelhou ao lado dela.
"Você está bem?"
"Eu... ouvi vozes," ela sussurrou. "Vindas de lá. Dizendo... dizendo coisas."
"Que coisas?"
Nix olhou para ele, olhos arregalados. "Que eu pertenço lá."
Lyra se aproximou, examinando o local onde a fenda estivera. Havia marcas no chão — símbolos gravados na pedra, brilhando fracamente.
"Reconheço isso," ela murmurou.
"De onde?" Kael perguntou.
"Dos arquivos proibidos. Taumaturgia do Vazio."
"O quê?"
"Magia que não deveria existir. Banida há um século, após a Guerra das Raças." Lyra traçou os símbolos com dedo trêmulo. "Dizem que o Conselho a usou para vencer. Mas os registros foram destruídos."
"Aparentemente não todos," Grimjaw resmungou, segurando o peito queimado.
Kael olhou para a parede onde a fenda estivera. Algo nele — instinto de sobrevivência afiado por meses de guerra — gritava que isso era maior que a rebelião.
Muito maior.
"Precisamos de respostas," ele disse.
"E onde vamos encontrá-las?" Zara perguntou.
Nix, ainda tremendo, sussurrou: "Nas ruínas. Além do horizonte. Onde civilizações antigas morreram."
Todos olharam para ela.
"Como você sabe?" Kael perguntou.
Nix olhou para as próprias mãos. "Porque os sussurros me disseram."
CAPÍTULO 3: RUÍNAS PROFÉTICAS
Continente Perdido, três dias depois
Zara odiava este lugar.
O Continente Perdido ficava além do Mar de Cinzas, onde navios raramente iam. Ruínas de civilização anterior cobriam a paisagem — torres quebradas, cidades engolidas por vegetação mutante, estradas que levavam a lugar nenhum.
E o silêncio. Sempre o silêncio.
"Está sentindo?" Lyra perguntou ao lado dela.
"O quê?"
"A ausência. Não há pássaros. Nem insetos. Nada vivo."
Zara olhou ao redor. A paladina estava certa. Apenas ruínas e vento.
Elas haviam vindo seguindo pistas do Livro 1 — referências a "aqueles que vieram antes". Kael ficara em TERD, lidando com a rebelião. Mas enviara Zara e Lyra para investigar.
Agora, diante de templo colossal meio enterrado, Zara desejava ter ficado.
Símbolos cobriam as paredes. Os mesmos símbolos da fenda.
"Taumaturgia do Vazio," Lyra confirmou, voz tensa.
Elas entraram. Interior era vasto — colunas sustentando teto invisível na escuridão acima. Murais cobriam cada superfície.
Lyra acendeu luz mágica. O que viram as fez recuar.
Os murais mostravam... apocalipse.
Primeira imagem: cidade próspera, raças diversas vivendo em harmonia.
Segunda: fendas se abrindo. Criaturas emergindo.
Terceira: guerra. Não contra invasores externos, mas contra o próprio caos.
Quarta: sacrifício. Figuras se lançando nas fendas, selando-as com corpos.
Quinta: selo. Símbolos — os mesmos da fenda em TERD — gravados sobre abismo.
Sexta: aviso.
Zara se aproximou da última imagem. Palavras em língua antiga, mas Lyra as traduziu:
"Selamos o Devorador Sombrio. Selamos o Núcleo. Selamos o Caos. Que aqueles que vierem depois nunca o abram. Pois o Caos não pode ser morto. Apenas contido. E contenção... tem prazo de validade."
"Merda," Zara sussurrou.
"Tem mais," Lyra apontou para inscrição menor. "'Construíram sobre nossas cinzas. Chamam de TERD. Não sabem sobre o que pisam. Não sabem que o Núcleo pulsa. Esperando. Sempre esperando.'"
Zara sentiu calafrio. "TERD foi construído sobre... isso?"
"Sobre civilização que morreu tentando conter o Caos."
O chão tremeu.
Não. Não tremeu. Pulsou. Como batimento cardíaco.
"Precisamos sair," Zara disse.
Tarde demais.
Atrás delas, o ar rasgou. Fenda — maior que a de TERD — abriu-se. Luz impossível inundou o templo.
E algo... imenso... começou a emergir.
CAPÍTULO 4: O RETORNO
Kael estava discutindo estratégia quando o portão da base abriu.
Figura encapuzada entrou, apoiada em bengala. Guardas avançaram, armas erguidas.
"Identifique-se!" um deles gritou.
A figura baixou o capuz.
Kael congelou.
Cabelos brancos. Olhos cinzentos. Rosto que conhecia de fotografias antigas.
"Olá, Kael," o homem disse, voz suave. "Senti sua falta."
"Você..." Kael mal conseguia falar. "Você está morto."
Dr. Elias Thorne, avô de Kael, sorriu. "Estive. Mas morte é conceito... relativo."
Grimjaw rosnou, machado em punho. "Fantasmas não sangram. Quer testar?"
"Paz," Elias ergueu as mãos. "Não vim lutar. Vim avisar."
"Avisar sobre o quê?" Kael exigiu, recuperando a voz.
"Sobre o fim. Sobre o Caos. Sobre o erro que cometi há cem anos."
Nix surgiu das sombras, olhos fixos em Elias. "Você... esteve lá. Do outro lado."
Elias olhou para ela com interesse. "Você também esteve. Brevemente. Sentiu o chamado, não foi?"
"Como—"
"Porque eu senti o mesmo. Há muito tempo." Elias caminhou para o centro da câmara, todos recuando instintivamente. "Há cem anos, fui parte de ritual. Taumaturgia do Vazio. Para vencer a guerra."
"Sabemos," Lyra disse, surgindo com Zara — ambas sujas, exaustas, mas vivas. "Vimos os murais."
Elias pareceu surpreso. "Foram ao Continente Perdido? Impressionante. Então sabem. Sabem que selamos algo que não deveria ser selado."
"Deveria ser destruído," Zara disse.
"Não pode ser destruído. Caos não é criatura. Não é força. É... estado de existência. Oposto de ordem. Não pode ser morto. Apenas contido."
"E a contenção está falhando," Kael completou.
"Sim. O selo que criamos há cem anos... tem vida útil. E está expirando."
"Por que você voltou?" Nix perguntou. "Depois de cem anos?"
Elias a olhou intensamente. "Porque senti o Caos acordar. E porque..." ele hesitou, "porque preciso corrigi-lo."
"Corrigi-lo como?" Kael exigiu.
"Há maneira de reforçar o selo. Mas requer... sacrifício. E vocês não vão gostar."
Kael avançou. "Você causou isso. Você e o Conselho. Quantas pessoas morreram por sua 'vitória'?"
"Milhões," Elias disse calmamente. "E morrerão bilhões se não agirmos."
"Por que deveríamos confiar em você?"
Elias sorriu — mas não era sorriso humano. Por instante, sombras dançaram ao seu redor. "Porque eu sou único que entende o Caos. Porque eu estive lá. Porque eu..." ele pausou, "porque eu não sou mais completamente humano."
Silêncio.
"O que você é?" Nix sussurrou.
Elias a encarou. Seus olhos mudaram — cinza para negro para vazio. "Voidborn. Nascido do Vazio. Produto do ritual. Eu não causei o Caos, Kael. Eu sou parte dele."
Kael sentiu mundo girar. Seu avô. O homem que admirava. Monstro.
"E vim," Elias continuou, "porque o Caos não é inimigo. É libertação. E eu vou provar."
Antes que alguém pudesse reagir, Elias desapareceu — não correu, não teletransportou. Simplesmente deixou de existir.
No ar onde estivera, sussurros ecoaram:
"O Caos vem. E vocês terão que escolher. Ordem... ou liberdade."
PARTE 2: DESCIDA À LOUCURA
CAPÍTULO 5: SUSSURROS NA ESCURIDÃO
A fenda nos Subúrbios de Escória não fechou completamente.
Três dias após o ataque, ainda pulsava — rachadura invisível na realidade, sentida mais que vista. Nix podia senti-la constantemente. Chamando. Sussurrando.
Volte. Pertence aqui. Deixe ir.
"Pare com isso," ela murmurava para si mesma.
"Parar com o quê?" Kael perguntou.
Eles estavam diante da fenda estabilizada — Lyra tecera magia de contenção ao redor, mas era temporário. Precisavam entender o que era. De onde vinha.
"Os sussurros," Nix admitiu. "Não param."
Kael a olhou com preocupação. "Talvez você não devesse ir."
"Preciso. Sou a única que pode... sentir o caminho."
Era verdade. Dentro da fenda, geometria normal não funcionava. Não havia cima ou baixo, esquerda ou direita. Apenas Nix conseguia navegar.
O grupo era pequeno: Kael, Nix, Grimjaw, e Elias.
Sim. Elias voltara. Simplesmente aparecera na base novamente, oferecendo ajuda. Kael não confiava nele. Mas precisavam de respostas.
"Prontos?" Lyra perguntou, mãos brilhando enquanto abria passagem na contenção.
Nix respirou fundo. "Não. Mas vamos mesmo assim."
Ela atravessou primeiro.
A transição foi... indescritível. Como se estivesse sendo desmontada e remontada. Por instante, não existiu. Depois, existiu novamente.
Do outro lado, a realidade estava quebrada.
Não havia chão sólido — apenas plataformas flutuando em vazio. Não havia céu — apenas escuridão que pulsava. E os sussurros eram ensurdecedores.
BEM-VINDA DE VOLTA.
"Merda," Grimjaw resmungou, cambaleando. "Isso é... errado."
"Interior de fenda," Elias explicou, voz calma demais. "Espaço entre realidades. Onde Caos sangra."
Kael olhou ao redor. "Como encontramos a fonte?"
"Seguimos os sussurros," Nix disse. Ela não sabia como sabia. Apenas sabia.
Eles avançaram — ou o que passava por avançar. Direções não faziam sentido. Às vezes andavam em linha reta e terminavam atrás de onde começaram. Outras, caíam para cima.
Encontraram... coisas.
Criaturas. Ou o que sobrara delas. Corpos parcialmente fundidos com a não-realidade. Rostos congelados em expressões de êxtase e horror.
"São pessoas?" Kael sussurrou.
"Eram," Elias corrigiu. "Agora são parte do Caos. Absorvidas."
Um dos corpos se mexeu.
Todos recuaram. O corpo — mulher, talvez, difícil dizer — ergueu a cabeça. Olhos vazios os encararam.
"Livre..." ela sussurrou. "Finalmente... livre..."
Depois desmoronou, virando poeira.
Nix sentiu náusea. Aquilo poderia ser ela. Se deixasse os sussurros vencerem.
Por que resistir? Aqui não há dor. Não há medo. Apenas... existência.
"CALE A BOCA!" ela gritou.
Os outros a olharam. Ela percebeu que falara em voz alta.
"Nix?" Kael tocou seu ombro.
Ela se afastou. "Estou bem. Vamos continuar."
Mentira. Ela não estava bem. Os sussurros estavam mais altos. Mais insistentes.
Eles encontraram câmara central — se era câmara. Espaço onde plataformas convergiam. E no centro...
Figura.
Asas negras. Armadura rachada. Halo quebrado.
"Paladina," Lyra sussurrou, horrorizada.
A figura ergueu a cabeça. Rosto era belo e terrível — metade divino, metade corrompido.
"Vocês..." a voz ecoou, múltiplas ao mesmo tempo. "Vocês não deveriam estar aqui."
"Seraphine," Elias disse, reconhecimento na voz. "Ainda está consciente?"
A Paladina — Seraphine — riu. Som fez a realidade tremer. "Consciente? Sou mais consciente que nunca. Vejo tudo. Passado. Futuro. Todas as possibilidades."
"Você era da Ordem Celestial," Lyra disse. "Como—"
"Como caí?" Seraphine flutuou mais perto. Onde passava, plataformas apodreciam. "Busquei poder para proteger. Encontrei Caos. E Caos me mostrou verdade."
"Que verdade?" Kael exigiu.
"Que ordem é prisão. Que controle é ilusão. Que apenas no Caos... somos livres."
Ela atacou.
CAPÍTULO 6: ANJO CAÍDO
Fronteira entre Terra e Céu, dois dias antes
Ícaro odiava fronteiras.
Nem terra nem céu. Nem livre nem preso. Apenas... limbo.
Mas era onde refugiados se acumulavam. Pessoas demais para as Cidades Aéreas aceitarem. Fortes demais para a Ordem esmagar completamente.
Ele voava baixo, asas batendo suavemente. Abaixo, acampamento se estendia — tendas, fogueiras, rostos esperançosos olhando para cima.
"Ícaro!" uma criança gritou, acenando.
Ele sorriu, descendo. Crianças o cercaram, rindo. Por momento, esqueceu da guerra.
Depois, explosão.
Ícaro se virou. Fumaça subia do lado norte do acampamento. Gritos ecoaram.
"TODOS PARA TRÁS!" ele gritou, decolando.
Chegou à fonte da explosão e congelou.
Não era bomba. Era fenda.
Menor que as outras, mas crescendo. E dela, algo emergia.
Figura alada. Armadura negra. Olhos vazios.
"Paladina?" Ícaro sussurrou, confuso.
A figura o encarou. "Não mais."
Ela atacou — velocidade impossível. Ícaro mal desviou, vento da passagem cortando sua bochecha.
"EVACUEM!" ele gritou para os refugiados.
A Paladina — Seraphine, ele lembrou o nome — investiu novamente. Desta vez, Ícaro bloqueou com espada. O impacto o jogou para trás, braço dormente.
"Você era heroína," ele disse, circulando. "O que aconteceu?"
"Acordei," Seraphine respondeu. "Vi além da mentira."
"Que mentira?"
"Ordem. Hierarquia. Dever." Ela cuspiu as palavras. "Prisões que aceitamos. Correntes que polimos."
Ícaro esquivou de garra de sombra. "Liberdade não é caos!"
"Não?" Seraphine riu. "Então o que é? Seguir regras? Obedecer mestres? Morrer por causas que não escolhemos?"
Ela tinha ponto. Ícaro odiava admitir.
"Caos não é resposta," ele disse.
"Não é resposta. É libertação."
Eles lutaram — dança aérea de espada e garra. Ícaro era bom. Seraphine era melhor. Corrompida, mas melhor.
Ela o derrubou. Ele bateu no chão, dor explodindo nas costas.
Seraphine pousou sobre ele, garra no pescoço. "Junte-se a nós. Sinta o que senti. Liberdade verdadeira."
Por instante, Ícaro quase... considerou. Estava tão cansado. De lutar. De perder. De ver pessoas que amava morrerem.
Então lembrou de Kael. De Nix. Dos refugiados.
"Não," ele disse.
Seraphine inclinou a cabeça. "Pena."
Ela ergueu a garra para matar—
Flecha a acertou no ombro. Ela sibilou, recuando.
Patrulha da Ordem chegara — ironicamente, salvando rebelde.
Seraphine olhou para Ícaro uma última vez. "Elias sabe a verdade. Pergunte a ele. Se tiver coragem."
Depois voou de volta para a fenda, que fechou atrás dela.
Ícaro ficou no chão, tremendo. Não de medo. De algo pior.
Dúvida.
A patrulha o cercou. Líder removeu o elmo.
Comandante Theron.
"Ícaro das Asas Quebradas," Theron disse, voz fria. "Você está preso."
CAPÍTULO 7: O ARQUITETO
Elias tinha laboratório secreto.
Claro que tinha.
Kael o seguiu através de túneis que nem sabia que existiam, Nix e Grimjaw atrás. Após o encontro com Seraphine — que os espancou até Elias usar magia para forçar retirada — precisavam de respostas.
O laboratório era... perturbador.
Paredes cobertas de símbolos. Frascos com líquidos que não deveriam existir. E no centro, tanque contendo... algo.
"O que é aquilo?" Nix sussurrou.
"Tentativa," Elias respondeu. "De controlar o Caos."
A coisa no tanque pulsava — massa de sombras e carne, olhos se abrindo e fechando aleatoriamente.
"Você está criando essas coisas?" Kael exigiu.
"Estudando. Há diferença."
"Não vejo."
Elias suspirou. "Kael. Seu idealismo é admirável. Mas inútil. Caos não pode ser combatido com espadas. Apenas com compreensão."
"Compreensão?" Grimjaw rosnou. "Vi o que Caos faz. Não há nada para compreender."
"Há tudo." Elias abriu livro — páginas escritas em língua que fazia os olhos doerem. "Caos é entropia. Fim de padrões. Retorno ao estado primordial."
"Então é destruição," Kael disse.
"É transformação."
"Mesma coisa."
"Não." Elias fechou o livro. "Destruição implica fim. Caos é... redefinição. Todas as possibilidades existindo simultaneamente."
Nix se aproximou do tanque. A coisa dentro reagiu, pressionando-se contra o vidro. "Você disse que é Voidborn."
"Sim."
"O que significa?"
Elias hesitou. Primeira vez que parecia... humano. "Significa que quando o ritual foi realizado, eu estava próximo demais. Caos me tocou. Mudou-me. Não completamente — ainda tenho forma, consciência. Mas..."
Ele estendeu a mão. Sombras dançaram entre seus dedos. "Parte de mim está sempre lá. No Vazio. Sentindo tudo. Todos os futuros. Todos os passados."
"Isso é maldição," Kael disse.
"Ou bênção. Perspectiva importa."
Kael olhou ao redor do laboratório. Décadas de pesquisa. Obsessão. "Você causou isso."
"Não. O Conselho causou. Eu avisei."
"Mas participou."
"Sim." Elias encontrou seu olhar. "E vivo com isso. Cada. Dia."
Silêncio.
Nix quebrou-o. "Pode parar? O Caos?"
"Não. Mas posso retardá-lo. Dar tempo."
"Tempo para quê?"
"Para vocês decidirem. Ordem ou Caos. Prisão ou liberdade."
"Falsa escolha," Kael cuspiu.
"Toda escolha é falsa," Elias respondeu. "Mas ainda precisamos fazê-las."
Grimjaw apontou para diários empilhados. "Posso?"
Elias acenou. O draconato abriu um. Leu. Parou.
"Kael. Você precisa ver isso."
Kael pegou o diário. Leu entrada datada de cem anos atrás:
"O ritual está completo. A guerra acabou. Mas sinto algo errado. Quando o Caos me tocou, vi... verdade. Não sou humano. Nunca fui. Sou experimento. Criado pelo Conselho para ser... ponte. Entre ordem e caos. Eles sabiam. Sempre souberam. E me usaram."
Kael olhou para Elias. "Você foi criado? Para quê?"
"Para ser âncora. Para segurar o selo. Mas falhei." Elias sorriu tristemente. "E agora... vou corrigir meu erro."
"Como?"
"Abrindo o Caos completamente."
Antes que pudessem reagir, Elias desapareceu novamente.
No tanque, a criatura explodiu em sombras.
E o laboratório começou a desmoronar.
CAPÍTULO 8: PROPOSTA IMPOSSÍVEL
Eles escaparam por pouco.
O laboratório colapsou, túneis desmoronando. Quando chegaram à base, encontraram mensagem esperando.
Mensageiro da Ordem. Tremendo. Segurando carta selada.
Kael a abriu. Leu. Sentiu sangue congelar.
"O que diz?" Nix perguntou.
Kael leu em voz alta:
"Comandante Theron, da Ordem Celestial, para os rebeldes de Escória. Tenho em custódia Ícaro das Asas Quebradas. Entreguem Dr. Elias Thorne em três dias, ou executarei o prisioneiro. Além disso, liberarei Caos contido em Altara — destruindo a cidade e todos nela. Escolham sabiamente."
Silêncio.
"Ele está blefando," Grimjaw disse. "Não liberaria Caos."
"Theron é fanático," Lyra respondeu. "Mas não suicida."
"A menos," Zara disse lentamente, "que ele não saiba o que Caos realmente é."
Kael amassou a carta. "Não podemos entregar Elias."
"Não podemos deixar Ícaro morrer," Nix retrucou.
"E não podemos deixar Altara ser destruída," Lyra adicionou.
"Então o que fazemos?" Grimjaw exigiu.
Kael olhou para cada um deles. Amigos. Família. Tudo que tinha.
"Não sei," ele admitiu.
Nix deu passo à frente. Parecia... diferente. Mais pálida. Olhos mais escuros. "Há terceira opção."
"Qual?"
"Deixamos o Caos levar tudo."
Todos a encararam.
"Nix," Kael disse cuidadosamente. "O que você está dizendo?"
"Estou dizendo que talvez Elias esteja certo. Talvez ordem seja prisão. Talvez... precisemos deixar ir."
"Você não está pensando claramente," Lyra se aproximou. "O Caos está te afetando."
"Ou está me libertando."
Kael a segurou pelos ombros. "Nix. Olhe para mim."
Ela olhou. Por momento, seus olhos eram completamente negros.
Depois piscou, e eram normais novamente. Ela cambaleou. "Eu... desculpe. Não sei o que..."
"Os sussurros," Kael compreendeu. "Estão ficando mais fortes."
"Não consigo pará-los."
A porta da base abriu. Todos se viraram, armas erguidas.
Elias entrou. Calmamente. Como se não tivesse acabado de trair todos.
"Vim fazer proposta," ele disse.
"Saia," Kael sibilou.
"Há terceira opção. Mas vocês não vão gostar."
"Já ouvimos."
"Não. Não ouviram." Elias olhou para Nix. "Ela pode selar o Caos. De dentro."
Silêncio mortal.
"O quê?" Nix sussurrou.
"Você está conectada. Pode entrar. E se sacrificar. Tornar-se âncora. Como eu deveria ter sido."
"NÃO!" Kael rugiu.
"É única maneira—"
"ENCONTRAREMOS OUTRA!"
"Não há outra."
Nix deu passo à frente. Voz calma. Assustadoramente calma. "E se eu fizer isso... Ícaro vive? Altara sobrevive?"
"Sim."
"Nix, não," Kael implorou.
Ela o olhou. Sorriu tristemente. "Sempre soube que morreria jovem, Kael. Pelo menos assim... significa algo."
"Há outro jeito," voz nova disse.
Todos se viraram. Na entrada, figura encapuzada. Chifres quebraram o capuz.
"Vex," Elias reconheceu. "Pensei que estivesse morto."
"Quase." Vex entrou, revelando cicatrizes que brilhavam. "Mas sobrevivi. Vales Sombrios. Fenda do Caos."
"Como?" Lyra perguntou.
"Resistência. Parcial. Tieflings são... adaptáveis." Vex olhou para Nix. "E não precisa se sacrificar. Ainda não."
"Então o que sugere?" Kael perguntou.
"Vamos ao Núcleo. Onde tudo começou. Lá... encontraremos resposta."
"Núcleo fica sob TERD," Elias disse. "Quilômetros abaixo. Guardado."
"Então invadimos."
"Suicídio."
"Melhor que sacrifício." Vex olhou para todos. "Vocês vêm ou não?"
Kael olhou para Nix. Para os outros. Para Elias.
"Vamos," ele disse.
Elias sorriu. Não era sorriso humano. "Ótimo. Porque eu já sabia que iriam."
E nas sombras, algo riu.
PARTE 3: SOMBRAS DANÇANTES
CAPÍTULO 9: O PLANO
Vex espalhou mapa na mesa. TERD, visto de cima — mas com camadas adicionais. Subterrâneas.
"Núcleo fica aqui," ele apontou. "Cinco quilômetros abaixo do centro de TERD. Acessível por três rotas."
"Todas guardadas," Lyra completou.
"Sim. Mas há quarta. Não-oficial."
"Como sabe disso?" Kael perguntou.
"Porque eu a construí. Antes de... tudo."
Vex traçou linha no mapa. "Túnel de manutenção. Abandonado há décadas. Leva direto ao Núcleo."
"Se está abandonado," Grimjaw disse, "provavelmente colapsou."
"Provavelmente. Mas é única chance."
Elias estudou o mapa. "E quando chegarmos ao Núcleo? O que fazemos?"
"Selamos. Permanentemente."
"Como?"
Vex hesitou. "Âncora. Alguém precisa se tornar âncora."
Todos olharam para Nix.
"Não," Kael disse imediatamente.
"Não há outra—"
"SEMPRE há outra!"
"Não desta vez," Vex disse calmamente. "Âncora precisa ser alguém conectado ao Caos. Alguém que já sente o chamado."
Nix estava quieta. Muito quieta.
"Eu vou," ela disse finalmente.
"Nix—"
"Não é discussão, Kael." Ela o encarou. "Já decidi."
"Você está deixando os sussurros decidirem."
"Estou deixando a lógica decidir." Ela apontou para si mesma. "Sou a única que se qualifica. A única que pode navegar o Caos. A única que..."
Voz falhou. Por momento, máscara caiu. Kael viu medo.
"A única que já está morrendo," ela sussurrou.
Silêncio.
"O quê?" Lyra avançou. "Deixe-me examinar—"
"Não adianta. Corrupção já começou." Nix ergueu a mão. Sombras dançavam entre seus dedos. "Vejo coisas. Ouço coisas. Sinto... vazio. Crescendo."
"Quanto tempo?" Kael perguntou, voz quebrando.
"Dias. Talvez semana."
"Então usamos esse tempo para encontrar outra solução!"
"Não há outra!" Nix gritou. Depois, mais suave: "Por favor, Kael. Deixe-me fazer isso. Deixe-me importar."
Kael queria argumentar. Queria gritar. Queria... qualquer coisa além de aceitar.
Mas olhou nos olhos dela e viu determinação. E paz.
"Está bem," ele sussurrou.
Vex acenou. "Então vamos. Temos três dias antes de Theron executar Ícaro."
"Sobre isso," Elias disse. "Tenho plano."
"Claro que tem," Grimjaw resmungou.
"Enquanto vocês vão ao Núcleo, eu resgato Ícaro."
"Sozinho?"
"Não sou indefeso."
"Você é traidor," Kael disse.
"Sim. Mas traidor útil." Elias sorriu. "E preciso de redenção. Mesmo que pequena."
"Por que deveríamos confiar em você?"
"Não deveriam. Mas não têm escolha."
Ele estava certo. Kael odiava que estivesse certo.
"Está bem," ele disse. "Você resgata Ícaro. Nós vamos ao Núcleo."
"E Altara?" Lyra perguntou.
"Se selarmos o Núcleo," Vex disse, "Caos não pode ser liberado. Theron não terá arma."
"A menos que ele tenha outra."
"Então rezem para que não tenha."
Eles se prepararam. Armas. Provisões. Magia.
E despedidas. Silenciosas. Porque todos sabiam que alguns não voltariam.
Nix se aproximou de Kael antes de partirem.
"Obrigada," ela disse.
"Por quê?"
"Por me deixar escolher."
Kael a puxou para abraço. "Eu te amo. Você sabe disso?"
"Eu sei. E eu te amo também. Como irmão."
Ela se afastou antes que ele pudesse responder.
E nas sombras, sussurros ecoaram:
A âncora vem. O selo será reforçado. Mas Caos... Caos é paciente.
CAPÍTULO 10: QUEBRA DE THERON
Altara, prisão militar
Comandante Theron não dormia mais.
Quando fechava os olhos, via sombras. Quando acordava, ouvia sussurros.
O Caos estava crescendo. Ele sentia. Todos sentiam.
Mas ele tinha dever. Ordem. Controle.
Ele olhou para o prisioneiro. Ícaro, acorrentado, sangrando, mas desafiador.
"Três dias," Theron disse. "Seus amigos têm três dias."
"Eles não virão," Ícaro respondeu.
"Então você morre."
"Já morri antes. Não é tão ruim."
Theron estudou-o. "Você acredita nisso? Que vale a pena? Rebelião?"
"Vale."
"Por quê?"
Ícaro sorriu, sangue nos dentes. "Porque algumas coisas valem mais que sobrevivência. Liberdade. Dignidade. Esperança."
"Palavras vazias."
"Para você, talvez."
Theron deu as costas. "Já fui como você. Idealista. Acreditava em causa maior."
"O que mudou?"
"Vi o que idealismo causa. Morte. Destruição. Caos."
"Então escolheu ordem. A qualquer custo."
"Sim."
"Mesmo que ordem seja prisão?"
Theron parou. "Prisão é segurança."
"Não. Prisão é medo."
Antes que Theron pudesse responder, alarme soou.
Guarda entrou correndo. "Senhor! Fenda! No distrito sul!"
Theron congelou. "Impossível. Está contida—"
"NÃO ESTÁ!"
Ele correu para a janela. Viu.
Fenda — enorme — rasgando o céu sobre Altara. E dela, criaturas emergindo. Dezenas. Centenas.
E sombras. Sombras que se moviam contra a luz. Consumindo tudo.
"Não," Theron sussurrou. "Não, não, NÃO!"
Ele correu para fora. Soldados lutavam, mas armas eram inúteis. Magia funcionava parcialmente, mas não o suficiente.
Theron viu cidade — sua cidade — queimar.
Viu pessoas correndo. Gritando. Morrendo.
Viu... sua família. Morta há anos. Emergindo das sombras. Olhos vazios. Sorrindo.
"Junte-se a nós," sua esposa morta sussurrou. "Não há dor aqui."
Theron caiu de joelhos. "Eu... eu protegi a ordem..."
"E a ordem nos destruiu," ela respondeu.
Depois desapareceu.
Theron ficou ali, tremendo. Mundo desmoronando ao redor.
Ele causara isso. Sua obsessão com controle. Seu medo de caos.
Causara exatamente o que temia.
Ele se levantou. Cambaleou de volta à prisão. Encontrou Ícaro ainda acorrentado.
"Você estava certo," Theron disse, voz quebrada. "Prisão é medo."
Ele soltou as correntes.
"Vá. Encontre seus amigos. Detenham... isso."
Ícaro o olhou. "Venha conosco."
"Não. Preciso... preciso corrigir isso."
"Como?"
"Evacuação. Salvar quem puder." Theron olhou para as próprias mãos. "E depois... depois vou ao Núcleo. Com vocês."
Ícaro acenou. "Nos vemos lá."
Ele voou. Theron ficou, olhando para a cidade queimar.
E pela primeira vez em anos, chorou.
CAPÍTULO 11: DESCIDA AO NÚCLEO
O túnel era pior que Kael imaginara.
Estreito. Escuro. Cheiro de decomposição e... algo mais. Algo errado.
"Está sentindo?" Nix sussurrou à frente.
"O quê?"
"O Caos. Está mais forte aqui. Mais próximo."
Eles desciam há horas. Grupo reduzido: Kael, Nix, Vex, Grimjaw, Lyra, Zara. Theron juntara-se a eles na entrada — silencioso, quebrado, mas determinado.
"Quanto falta?" Grimjaw perguntou.
"Estamos perto," Vex respondeu. "Sinto."
O túnel abriu em câmara. Vasta. Antiga.
Não era natural. Era construída. Por civilização anterior.
Colunas sustentavam teto invisível. Murais cobriam paredes — os mesmos que Zara e Lyra viram nas ruínas.
E no centro, abismo.
"O Núcleo," Vex disse.
Eles se aproximaram. Olharam para baixo.
Escuridão. Absoluta. Mas pulsando. Como batimento cardíaco.
"Está selado," Lyra observou. Símbolos brilhavam ao redor do abismo. "Mas o selo está..."
"Falhando," Nix completou. "Vejo as rachaduras."
"Então como reforçamos?" Kael perguntou.
"Âncora," Vex disse. "Alguém desce. Torna-se parte do selo. Vivo. Consciente. Segurando o Caos de dentro."
"Para sempre?" Zara sussurrou.
"Sim."
Nix deu passo à frente. "Então vamos—"
"ESPEREM!"
Voz ecoou pela câmara. Todos se viraram.
Elias emergia das sombras. E não estava sozinho.
Ícaro estava com ele. Ferido, mas vivo.
"Elias," Kael disse. "Você veio."
"Claro. Não perderia isso."
"Perderia o quê?"
Elias sorriu. "O fim. Ou começo. Depende da perspectiva."
Ele caminhou até o abismo. Olhou para baixo.
"Cem anos," ele murmurou. "Cem anos esperando."
"Esperando o quê?" Nix exigiu.
Elias a olhou. "Perdão. Redenção. Libertação."
"Não entendo."
"Vai entender." Ele se virou para o grupo. "Eu causei isso. Minha obsessão. Minha arrogância. Pensei que podia controlar o Caos."
"E agora?" Kael perguntou.
"Agora sei que não posso. Ninguém pode. Mas posso... contê-lo. Temporariamente."
"Como?"
"Tornando-me âncora."
Silêncio.
"Você?" Nix sussurrou. "Mas eu—"
"Você está morrendo. Eu já estou morto. Voidborn não é vivo. É... estado intermediário."
"Você se sacrificaria?" Theron perguntou, incrédulo.
"Não é sacrifício. É pagamento. Dívida de cem anos."
Antes que alguém pudesse argumentar, o abismo pulsou.
Mais forte. Mais violento.
E algo começou a emergir.
CAPÍTULO 12: SACRIFÍCIOS
A Criança subiu do abismo.
Não. Não subiu. Manifestou.
Um momento, não estava. Próximo, estava.
Aparência de criança — oito anos, talvez. Cabelos negros. Olhos vazios. Sorriso inocente.
Mas sombras dançavam ao redor. E onde pisava, realidade apodrecia.
"Olá," ela disse, voz múltipla. "Vim brincar."
"O que é isso?" Zara sussurrou.
"Manifestação do Caos," Elias respondeu. "Núcleo. Consciente."
A Criança inclinou a cabeça. "Vocês vieram me selar. De novo."
"Sim," Kael disse, erguendo espada.
"Por quê? Eu só quero brincar."
"Seu 'brincar' mata pessoas."
"Pessoas morrem de qualquer forma. Eu apenas... acelero."
Ela avançou. Todos recuaram.
"Não podem me matar," ela continuou. "Não sou criatura. Sou conceito. Entropia. Fim de padrões."
"Então te selamos," Nix disse.
"Podem tentar."
A Criança atacou.
Não fisicamente. Realidade simplesmente... quebrou. Chão virou teto. Paredes viraram portas. Tempo desacelerou e acelerou simultaneamente.
Grupo se dispersou, lutando contra ambiente impossível.
Lyra conjurou luz divina. A Criança riu, absorvendo-a.
Grimjaw investiu. Seu machado passou através dela.
Zara usou fogo. A Criança brincou com as chamas.
"Vocês não entendem," ela disse. "Não podem me combater. Apenas... aceitar."
Vex se aproximou. "Então aceito."
Antes que alguém pudesse pará-lo, ele mergulhou no abismo.
"VEX!" Kael gritou.
Mas Vex já havia desaparecido. Dentro do Núcleo.
O abismo tremeu. Símbolos brilharam mais forte.
"Âncora," A Criança disse, parecendo... surpresa. "Ele se tornou âncora."
"Uma não é suficiente," Elias disse. "Precisa de mais."
Figura emergiu das sombras da câmara. Asas negras. Armadura rachada.
Seraphine.
"Eu também vou," ela disse.
"Seraphine?" Lyra sussurrou.
A Paladina caída olhou para ela. Por momento, olhos eram humanos. "Busquei redenção. Encontrei apenas dor. Mas talvez... isso seja redenção."
Ela avançou. A Criança tentou pará-la, mas Seraphine era forte. Corrompida, mas forte.
Ela agarrou A Criança. "Você não pode ser morta. Mas pode ser contida."
"SOLTE-ME!"
"Não."
Seraphine mergulhou no abismo, segurando A Criança.
O Núcleo explodiu em luz.
Quando desapareceu, Seraphine e A Criança haviam desaparecido. Presas. Juntas.
Mas o selo ainda tremia.
"Não é suficiente," Elias disse. "Precisa de terceira."
Nix deu passo à frente.
"Não," Kael a segurou. "Não você."
"Precisa ser eu."
"EU VOU!" Kael gritou.
"Você não está conectada ao Caos. Não funcionaria."
"Então encontramos outra—"
"NÃO HÁ OUTRA!"
Nix o empurrou. Força surpreendente. "Kael. Irmão. Deixe-me ir."
"Não posso."
"Pode. E vai." Ela sorriu, lágrimas escorrendo. "Vivi boa vida. Curta. Mas boa. Conheci pessoas incríveis. Lutei por algo maior. E agora..."
Voz quebrou. "E agora vou importar."
Kael a puxou para abraço. "Você sempre importou."
"Eu sei. Mas agora... o mundo saberá."
Ela se afastou. Caminhou até o abismo.
Olhou para trás uma última vez. "Cuide de Ícaro. E de você mesmo."
Depois pulou.
Kael gritou. Correu. Mas tarde demais.
Nix desapareceu no Núcleo.
O abismo pulsou. Símbolos brilharam — cegantes.
E então... silêncio.
O selo estava completo.
Três âncoras. Vex. Seraphine. Nix.
Segurando o Caos. Para sempre.
Kael caiu de joelhos. Ícaro o segurou.
"Ela salvou todos," Ícaro sussurrou.
"Eu sei."
"Ela é heroína."
"Eu sei."
Mas saber não tornava mais fácil.
Elias se aproximou do abismo. Olhou para baixo.
"Obrigado," ele sussurrou. "Nix. Vex. Seraphine. Obrigado."
Depois se virou para o grupo. "Precisamos sair. Núcleo está selado, mas instável. Câmara vai colapsar."
Eles fugiram. Túnel desmoronando atrás deles.
Emergiram na superfície horas depois. TERD estava... diferente.
Fendas haviam fechado. Criaturas desaparecido. Caos... contido.
Mas cicatrizes permaneciam. Trinta por cento da cidade, destruída. Milhares, mortos.
E três heróis, esquecidos.
PARTE 4: CINZAS E SOMBRAS
CAPÍTULO 13: SELANDO AS FERIDAS
Lyra trabalhou por dias.
Magia ancestral. Símbolos de contenção. Reforçando o selo de fora.
"Vai segurar?" Kael perguntou.
"Por enquanto. Décadas, talvez séculos. Mas não para sempre."
"Nada é para sempre."
"Não. Mas isso... isso nos dá tempo."
Theron coordenou reconstrução. Altara estava devastada, mas sobreviventes eram resilientes.
"Você está ajudando," Ícaro observou. "Por quê?"
Theron olhou para as ruínas. "Porque causei isso. Minha obsessão com ordem. Meu medo de caos. Preciso... corrigir."
"Pode levar vida inteira."
"Então é o que farei."
Zara e Grimjaw organizaram rebeldes. Sem Nix, liderança caiu para eles.
"O que fazemos agora?" Grimjaw perguntou.
"Continuamos," Zara respondeu. "Lutamos. Reconstruímos. Vivemos."
"Por Nix."
"Por Nix."
Elias desapareceu. Novamente. Mas desta vez, deixou mensagem:
"Minha parte está completa. Agora é com vocês. Construam mundo melhor. Ou não. Escolha é livre."
Kael ficou diante do abismo selado. Agora coberto, protegido, escondido.
Mas ele sentia. Nix lá embaixo. Viva. Consciente. Segurando o Caos.
"Obrigado," ele sussurrou.
Vento soprou. Por momento, pareceu carregar resposta:
"De nada, irmão."
Ele sorriu, lágrimas escorrendo.
E se afastou.
CAPÍTULO 14: NOVO AMANHECER, VELHAS SOMBRAS
Três meses depois.
TERD estava... mudando. Lentamente. Ordem e rebelião negociavam. Theron mediava.
Não era paz. Mas era começo.
Kael e Ícaro estavam no telhado da base, olhando para estrelas.
"Viu isso?" Ícaro apontou.
Kael olhou. Constelação que não conhecia. Brilhando mais forte que deveria.
"O que é?"
"Não sei. Mas está se movendo. Em direção a nós."
Kael sentiu calafrio. "Nave?"
"Talvez."
Eles ficaram em silêncio. Depois, Ícaro disse:
"Tem mapa. Do Elias. Mostra outros planetas. Outros mundos."
"E?"
"E alguns têm marcas. Símbolos de Caos."
Kael olhou para ele. "Está dizendo que—"
"Que TERD não é único. Caos está em outros lugares. Talvez... em todos os lugares."
"Então o que fazemos?"
Ícaro sorriu. Primeiro sorriso genuíno em meses. "Vamos avisar. Vamos ajudar. Vamos... explorar."
"Explorar?"
"Universo é grande, Kael. E nós... nós temos asas."
Kael olhou para o céu. Para a luz se aproximando.
"Você está certo," ele disse. "Mas primeiro... precisamos estar prontos."
"Então nos preparamos."
Eles observaram a luz. Mais perto agora. Definitivamente nave.
E nas sombras, no Núcleo selado, A Criança sussurrou:
"Obrigada por brincar. Vamos brincar de novo... em breve."
Nix, âncora viva, respondeu: "Não enquanto eu existir."
Vex adicionou: "Ou eu."
Seraphine completou: "Ou eu."
Três vozes. Três âncoras. Três sacrifícios.
Segurando o Caos.
Por enquanto.
EPÍLOGO: ECOS NO VAZIO
Núcleo Selado, Tempo Indeterminado
Nix flutuava em escuridão.
Não era morte. Não era vida. Era... existência. Pura. Eterna.
Ela sentia tudo. Cada pensamento em TERD. Cada emoção. Cada escolha.
E sentia o Caos. Pressionando. Sempre pressionando.
A Criança estava presa em cristal à sua frente. Sorrindo. Sempre sorrindo.
"Cansada?" ela perguntou.
"Não."
"Mentira."
"Talvez. Mas não importa."
"Por quê?"
"Porque escolhi isso. E escolhas importam."
Vex flutuava à esquerda. Cicatrizes brilhando. "Ela está certa. Escolhas são tudo que temos."
Seraphine à direita. Asas negras imóveis. "E escolhemos segurar. Para sempre, se necessário."
A Criança riu. "Para sempre é muito tempo."
"Então que seja," Nix respondeu.
Acima deles, TERD vivia. Lutava. Amava. Morria. Renascia.
E três heróis esquecidos seguravam o Caos.
Não por glória. Não por reconhecimento.
Mas porque alguém precisava.
E eles escolheram ser esse alguém.
A Criança sussurrou: "O Caos pode dormir. Mas nunca morre."
Nix sorriu. "Nós também não."
E nas profundezas do Núcleo, luz pulsou.
Pequena. Frágil. Mas persistente.
Esperança.
FIM DO LIVRO 2
A saga continua em:
LIVRO 3: ESTRELAS SILENCIOSAS
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