A Ascensão das Ruínas
ficcao-cientificaUniverso Fragmentado

A Ascensão das Ruínas

53 anos após o Grande Cisma, a aliança entre povos está à beira do colapso. Kael, Zara e Lyra descobrem que os ciclos de destruição e renascimento não são acidentais — e que a verdade enterrada sob Mirastella pode libertar ou condenar todos.

Sobre a História

A Ascensão das Ruínas

Prólogo: Ecos do Passado

Ano 0 do Grande Cisma — Ruínas da Primeira Cidade

As muralhas da Primeira Cidade estalavam sob o peso de séculos. O ar era denso com o cheiro de ozônio e pó antigo. Raios cortavam o céu púrpura, iluminando silhuetas encapuzadas que avançavam pelos corredores de pedra. Entre elas, uma figura hesitante — olhos jovens, inquietos, segurando um objeto envolto em tecido escuro.

No centro do salão, o Conselho dos Arquitetos aguardava em círculos concêntricos. Rostos velados, vozes sussurrantes como vento entre colunas. O objeto foi depositado no altar: um fragmento de cristal pulsante, bruxuleando com luz azulada. O silêncio era absoluto, exceto pelo batimento apressado de um coração.

— Você entende o peso do que trouxe? — perguntou a voz mais velha, rouca.

A figura jovem — Kael, antes de ser Kael — hesitou. Havia esperança em seus olhos, misturada ao medo. O Éter vivia ali, dentro daquele fragmento. Energia pura, promessa de poder e destruição.

— Entendo — sussurrou ele. — Mas não há outro caminho.

O círculo murmurou. Uma mão enrugada tocou o cristal. O chão estremeceu; memórias ecoaram nas paredes: guerras esquecidas, exílios, pactos selados sob a sombra do impossível. O Conselho sabia: aquele gesto mudaria o curso da história.

Uma mulher de cabelos prateados se adiantou — Zara, antes das cicatrizes. Ela pousou a mão sobre o ombro do jovem.

— O sacrifício será exigido de todos nós, cedo ou tarde — disse, sua voz como brisa em manhã fria.

O Éter brilhou mais forte. No reflexo do cristal, viram-se rostos que ainda não existiam: Lyra correndo entre torres despedaçadas, Nix fitando horizontes partidos. O futuro era incerto, mas já os chamava.

Naquele instante, sob as abóbadas partidas da Primeira Cidade, o mundo se partiu — não com estrondo, mas com um sussurro. Tudo o que viria depois já estava selado.

Capítulo 1: Fissuras na Aliança

Ano 53 do Fragmento — Cidade de Mirastella

A luz filtrava-se pelas cúpulas translúcidas de Mirastella, tingindo o chão com tons dourados e verdes. Kael observava o movimento na praça principal: mercadores alienígenas misturavam-se a humanos e draconatos, todos inquietos diante da tensão suspensa no ar.

Zara chegou sem anunciar-se. Sua armadura refletia o sol pálido; os olhos dourados, sempre atentos. Ela parou ao lado de Kael, sem olhar diretamente para ele.

— Eles não confiam em nós — disse ela baixinho. — Nem depois de tudo.

Kael soltou um suspiro cansado. — Não é questão de confiança. É medo. Medo do que virá quando a aliança ruir.

Um grupo de guardas passou apressado; bandeiras azuis tremulavam em seus ombros. Ao fundo, a torre dos Arquitetos erguia-se como um dedo acusador contra o céu.

— O Conselho exige nossa presença — prosseguiu Zara. — Dizem que é urgente.

— Urgente sempre significa perigoso — murmurou Kael.

Eles caminharam lado a lado pelos corredores labirínticos da cidade suspensa. Cada passo ecoava memórias: batalhas vencidas a custo alto, pactos forjados à beira da ruína.

No salão do Conselho, vozes sobrepunham-se em debate fervoroso. Arquitetos velhos e jovens disputavam espaço verbal; hologramas de mapas flutuavam entre eles.

— A fissura no sul está crescendo — informou Theron, sua voz metálica reverberando no espaço. — Se não agirmos, todo o núcleo se perderá.

Zara cruzou os braços. — E querem que façamos o impossível mais uma vez?

Theron encarou-a com olhos frios. — Vocês são os únicos que já conseguiram.

O debate foi interrompido por uma explosão distante. O chão tremeu; poeira caiu do teto abobadado.

Kael correu até a janela: colunas de fumaça erguiam-se da zona industrial. Sirenes soaram; multidões se dispersaram em pânico.

— Atentado? — perguntou Zara, já puxando a lâmina curta presa ao cinto.

Kael assentiu, sentindo o peso familiar da responsabilidade esmagar-lhe os ombros.

— Não é coincidência — disse ele. — Alguém quer que fracassemos antes mesmo de tentar.

Theron ativou um painel holográfico; rostos suspeitos apareceram na projeção azulada: dissidentes das cidades inferiores, mercenários draconatos, até nomes antigos da resistência humana.

Zara olhou para Kael e viu nele o reflexo das batalhas passadas — e das escolhas impossíveis que ainda viriam.

No fundo da sala, Lyra observava tudo em silêncio, captando sinais estranhos no Éter através de seu implante neural. Uma mensagem cruzou sua mente: "O ciclo recomeça."

Do lado de fora, as fissuras na aliança se ampliavam como rachaduras no solo sagrado.

Ecos do passado voltavam a assombrar o presente.

Ganchos para o Capítulo 2:

  • Quem está por trás do atentado?
  • O que Lyra está ouvindo no Éter?
  • Como Kael e Zara reagirão à ameaça interna?

Capítulo 2: Vozes Sob a Terra

Ano 53 do Fragmento — Setores Inferiores de Mirastella

O cheiro acre de fumaça impregnava as galerias subterrâneas, onde a luz dourada das cúpulas não alcançava. Lyra movia-se rápido entre corredores estreitos, guiada apenas pelo eco distante das sirenes e pelo brilho esporádico de seu implante neural. Cada passo reverberava no chão metálico, misturando-se ao burburinho do povo escondido nas sombras.

Ela sentia o Éter pulsar – um murmúrio constante, como se o próprio ar estivesse carregado de vozes antigas. A mensagem persistia em sua mente: "O ciclo recomeça." Mas não era só uma advertência; havia uma sensação de urgência, como se algo estivesse prestes a acordar sob seus pés.

Ao dobrar uma esquina, Lyra encontrou o velho Hagan, líder dos refugiados dos setores inferiores. O rosto dele estava manchado de fuligem; os olhos, vermelhos pela vigília.

— A explosão foi no setor industrial — informou ele, a voz rouca e baixa. — Muitos feridos. Mas não foi só sabotagem… Encontramos estes — estendeu a mão, mostrando pequenos fragmentos de cristal azul-escuro, idênticos ao Éter.

Lyra tocou os fragmentos; um choque percorreu seu braço. Imagens atravessaram sua mente — corpos caídos, símbolos pintados em muros, uma figura envolta em sombras discursando para uma multidão oculta.

— Isso foi plantado — sussurrou ela. — Alguém quer que pensemos que a rebelião já começou.

Hagan balançou a cabeça, resignado.

— As pessoas estão assustadas, Lyra. Se os Arquitetos não controlarem isso… vamos ter guerra civil antes do amanhecer.

Lyra sabia que precisava levar aquelas evidências até Kael e Zara. Mas as vozes no Éter se intensificavam, caóticas e contraditórias. Uma palavra destacava-se acima do tumulto: "Raiz."

Ela olhou para Hagan.

— O que você sabe sobre a Raiz? — perguntou, tentando manter a voz firme.

O velho hesitou, depois fez sinal para que o acompanhasse por um labirinto de túneis até uma câmara oculta. Dentro, mapas antigos cobriam as paredes; símbolos semelhantes aos dos fragmentos brilhavam à luz de lanternas trêmulas.

— Eles dizem que a Raiz é mais velha que Mirastella. Uma ordem secreta… ou talvez uma ideia — murmurou Hagan. — Ela cresce quando as fissuras aparecem. E agora, está acordando outra vez.

Lyra fechou os olhos, deixando-se envolver pelo zumbido do Éter. No fundo de sua mente, via o rosto de Kael — preocupado, solitário — e de Zara, sempre entre o dever e a dúvida.

Sabia que, acima da superfície, eles já enfrentavam seus próprios fantasmas.

Ano 53 do Fragmento — Torre dos Arquitetos

Kael encarava o Conselho reunido em pânico. Theron apontava mapas holográficos onde fissuras pulsavam em vermelho; cada ponto era um lembrete de que a aliança era frágil como cristal sob pressão.

— Não podemos mais confiar nos draconatos — bradou um dos Arquitetos mais jovens. — Eles lucram com o caos!

Zara interveio antes que a discussão degenerasse.

— Dividir é o objetivo dos nossos inimigos — disse ela, com voz firme. — Exigir lealdade cega só vai nos arruinar mais rápido.

Kael sentiu um aperto no peito. Lembrou-se do fragmento do passado: o sacrifício feito diante do Conselho original. Havia repetição no ar — ciclos de confiança quebrada e alianças desfeitas.

Quando Lyra entrou apressada na sala, trazendo os fragmentos e sua descoberta sobre a Raiz, o silêncio foi absoluto. Ela relatou tudo: os cristais plantados como armadilhas, as vozes no Éter, o mito da ordem secreta.

Theron apertou os lábios, pensativo.

— Se a Raiz está envolvida… então não estamos enfrentando apenas dissidentes. Há algo mais profundo aqui.

Zara olhou para Kael:

— E se for verdade? Se tudo isso for apenas o começo de um novo colapso?

Kael não tinha respostas prontas. Mas sentiu dentro de si algo antigo – uma determinação que antes confundira com medo.

— Então precisamos descer até onde tudo começou — disse ele suavemente. — Encontrar a Raiz… e decidir se este ciclo termina conosco ou continua por mais um século.

Lá fora, sob as cúpulas manchadas pelo incêndio, novas rachaduras se abriam no solo – e na confiança entre povos outrora aliados.

Ganchos para o Capítulo 3:

  • O que é exatamente a Raiz? Ordem ou entidade?
  • Kael, Zara e Lyra formarão uma expedição aos níveis subterrâneos?
  • Qual o papel dos draconatos e dos dissidentes nesse novo conflito?
  • As vozes do Éter são advertência ou manipulação?

Capítulo 3: Sob a Pele da Cidade

Ano 53 do Fragmento — Subterrâneos de Mirastella

O ar nos túneis era denso, carregado do cheiro metálico de velhos sistemas hidráulicos e do mofo adocicado das raízes que atravessavam fissuras do concreto. O grupo avançava devagar: Lyra à frente, Kael logo atrás, Zara fechando a retaguarda. As lanternas projetavam sombras longas, distorcendo seus corpos contra as curvas úmidas das paredes.

O silêncio era quebrado apenas pelo gotejar constante e pelo leve zumbido nos ouvidos de Lyra — o Éter, inquieto.

— Estamos próximos — murmurou Hagan, que insistira em guiá-los até certo ponto. — Mas daqui em diante, não posso garantir nada. A Raiz não é só uma lenda para assustar crianças. Ela tem olhos… e ouvidos.

Kael parou ao lado de uma grade enferrujada. Seus dedos percorreram inscrições antigas, marcas circulares entrelaçadas com símbolos dos primeiros colonizadores e outros desconhecidos.

— Reconhece algo? — perguntou a Zara.

Ela tocou os relevos, sentindo uma leve vibração sob a ponta dos dedos.

— Fragmentos de diferentes culturas… É como se alguém tivesse reunido pedaços de todos os povos que vieram antes de Mirastella.

Lyra fechou os olhos. O Éter pulsou forte, trazendo memórias que não eram dela: multidões fugindo do colapso, promessas sussurradas no escuro, pactos selados com sangue e esperança.

Abriu os olhos, ofegante.

— A Raiz foi fundada no caos. Eles acreditavam que só sobrevivendo ao fundo seria possível controlar o que está na superfície.

Kael assentiu, tenso, e puxou a grade — que cedeu com um gemido rouco. O grupo desceu um lance de escadas em espiral, a escuridão tornando-se quase absoluta.

Nas profundezas, encontraram uma sala circular coberta de pinturas murais: cenas de rebelião, renascimentos e rostos sem olhos. No centro, um altar rudimentar de pedra azulada — o mesmo material dos fragmentos encontrados após o atentado.

Zara se aproximou do altar, seus passos ecoando.

— O ciclo recomeça… — murmurou — Sempre com violência, sempre com promessas de redenção.

Lyra sentiu o Éter vibrar cada vez mais alto, até tornar-se insuportável.

— Alguém está aqui — sussurrou.

Nesse instante, uma figura emergiu das sombras opostas: rosto coberto por um manto, voz rouca como cascalho arrastado pelo vento.

— Vocês não deveriam ter descido — disse. — A Raiz cresce naquilo que é escondido. E agora sabem demais.

Hagan recuou instintivamente; Kael colocou-se à frente de Lyra e Zara.

— Viemos buscar respostas — declarou Kael. — O atentado, os fragmentos… Por quê? Quem está tentando destruir a aliança?

A figura riu baixo.

— A aliança já está morta. Só não perceberam ainda. O ciclo não pode ser quebrado porque vocês ainda têm medo do fundo… medo do que são capazes de fazer para sobreviver.

O silêncio pesou sobre eles como uma sentença.

Zara se adiantou:

— E você? O que quer? Guerra civil? Anarquia?

A figura se aproximou do altar; a luz revelou olhos marcados por veias azuladas do Éter.

— Quero que escolham — disse ela. — Sacrifiquem a verdade para manter a ordem? Ou deixem tudo ruir para começar de novo?

Lyra cambaleou sob o peso das palavras e das vozes no Éter, que agora ecoavam em uníssono: "Toda raiz precisa romper antes de florescer."

Kael olhou para as companheiras – e percebeu no olhar de Lyra o mesmo temor que sentia: talvez não houvesse escolha certa.

A figura estendeu um pequeno fragmento azul-escuro para Lyra.

— O ciclo está nas suas mãos agora.

Quando Lyra tocou o fragmento, visões explodiram em sua mente: guerras antigas, alianças quebradas, cidades reconstruídas sobre escombros – sempre recomeçando, sempre sacrificando algo ou alguém.

Ao fundo, as sirenes da superfície pareciam distantes, irreais. Ali, sob a pele da cidade, um novo ciclo aguardava sua decisão.

Ganchos para o Capítulo 4:

  • Lyra será capaz de romper o ciclo ou estará condenada a repeti-lo?
  • Quem é a figura misteriosa ligada à Raiz – inimiga ou possível aliada?
  • Qual será o preço real para salvar Mirastella?
  • Os draconatos e demais povos aceitarão as revelações vindas dos subterrâneos?
  • Como os dilemas morais afetarão a relação entre Kael, Zara e Lyra?

Capítulo 4: O Peso dos Ciclos

Ano 53 do Fragmento — Subterrâneos de Mirastella

A pedra azul-escura parecia pulsar na palma de Lyra, quente e fria ao mesmo tempo. O Éter ecoava em ondas, sussurrando promessas e ameaças; cada batida do coração ressoava na câmara subterrânea, misturada ao som abafado das sirenes lá fora. Por um instante, o tempo se dobrou: Lyra viu-se criança, correndo pelas ruas ensolaradas de Mirastella antes do Fragmento; viu-se adulta, ensaiando discursos sobre esperança diante de multidões exaustas; viu-se velha, mãos manchadas pelo Éter e pela dúvida.

— Lyra… — a voz de Kael soou distante, atravessando as névoas da visão. — Precisa decidir. Agora.

A figura encapuzada aguardava imóvel diante do altar, olhos fixos nos três. Não havia ameaça explícita — mas a tensão era uma corda esticada ao limite.

Zara se adiantou, tocando o ombro de Lyra. — Não estamos sozinhas nisso.

Lyra apertou o fragmento. O Éter se acalmou um pouco, como se reconhecesse nela algo familiar — ou como se esperasse.

— Qual é o preço? — indagou, encarando a figura. — O ciclo… ele pode ser quebrado sem destruir o que sobrou da cidade?

O encapuzado sorriu, um gesto cansado. — Todo ciclo se alimenta de escolha. Mas escolha raramente é sem sangue.

Kael cerrou os punhos, os olhos fixos no altar. — E se recusarmos? Se formos embora agora?

— O ciclo continuará — respondeu a figura. — Talvez não hoje, talvez não com vocês. Mas alguém pagará o preço.

O silêncio se espalhou entre as paredes úmidas. O cheiro de terra molhada e ferrugem era quase reconfortante.

Lyra fechou os olhos, sentindo a presença de Kael e Zara ao seu lado. Pensou nos draconatos que esperavam por uma resposta; nos líderes da aliança, cada vez mais paranoicos após o atentado; nas crianças das favelas altas, que ainda sonhavam com futuro.

Quando falou, sua voz era firme:

— Se o ciclo é alimentado pela mentira e pelo medo… então devemos expor a verdade. Mesmo que doa. Mesmo que nos custe.

A figura inclinou a cabeça, como quem respeita a coragem — ou lamenta a ingenuidade.

— Então aceite o fragmento por inteiro — sussurrou ela — e prepare-se para perder o que mais teme.

O Éter explodiu em Lyra: imagens de traições antigas, rostos conhecidos distorcidos pelo desespero. Ela sentiu-se rasgada em mil pedaços, cada um carregando uma lembrança dolorosa.

Kael a segurou quando ela cambaleou; Zara murmurou palavras em uma língua esquecida, tentando acalmar os impulsos do Éter.

Do alto da escada espiral, um novo som: passos apressados, vozes armadas. Patrulheiros da aliança — ou algo pior.

Hagan apareceu na entrada, ofegante:

— Precisamos sair! Eles nos rastrearam pelo Éter!

A figura encapuzada já desaparecia entre as sombras. Antes de sumir completamente, deixou apenas um aviso:

— A superfície nunca esquece o que foi enterrado.

Com o fragmento queimando em sua mão, Lyra seguiu os companheiros de volta à luz difusa dos túneis. Atrás deles, a sala circular parecia fechar-se sobre si mesma — como se o próprio subterrâneo guardasse seus segredos até a próxima ruptura.

No caminho de volta, Kael sussurrou:

— Você confia nela? Na Raiz?

Lyra hesitou. No fundo, sabia que as respostas nunca seriam simples.

— Confio no que vi. E agora não podemos voltar atrás.

Ao longe, a cidade vibrava: protestos estouravam nas ruas, rumores sobre conspirações cresciam junto com a tensão entre facções rivais. Algo havia sido desencadeado — e não era mais possível fingir que as rachaduras eram apenas superficiais.

Quando emergiram à superfície, a aurora coloria Mirastella com tons de sangue e ouro. Lyra respirou fundo o ar frio da manhã e sentiu no peito o verdadeiro peso dos ciclos: esperança e destruição entrelaçadas em uma dança ancestral.

Ela sabia — o próximo passo seria o mais difícil.

Ganchos para o Capítulo 5:

  • Quais verdades Lyra está disposta a revelar publicamente?
  • Como Kael e Zara lidarão com as consequências do pacto subterrâneo?
  • Que forças ocultas tentam manipular o ciclo além da Raiz?
  • Quem são os verdadeiros inimigos: os agentes externos ou as próprias divisões internas da aliança?
  • Qual será o preço pessoal para Lyra — e quem ela está disposta a sacrificar?

Capítulo 5: Ecos à Superfície

Ano 53 do Fragmento — Mirastella, Praça das Colunas

O céu da manhã era um mosaico de nuvens vermelhas, como se o próprio horizonte carregasse cicatrizes ainda abertas. O frio cortante trazia o cheiro de fumaça e ferro queimado; ao longe, as sirenes já não eram apenas uma trilha sonora, mas um lembrete constante de que a cidade estava à beira de algo irreversível.

Lyra caminhava pela Praça das Colunas, o fragmento oculto sob as faixas de couro em seu pulso. Cada passo parecia reverberar no solo rachado, como se a terra reconhecesse o peso daquilo que ela carregava. Ao redor, grupos de manifestantes entoavam palavras de ordem, bandeiras improvisadas tremulando ao vento. Os olhos dos presentes — humanos e draconatos — buscavam esperança, mas também refletiam medo.

Kael mantinha-se perto, atento aos gestos bruscos dos soldados da aliança postados nas extremidades da praça. Zara, envolta em seu manto esverdeado, colhia murmúrios entre os manifestantes, tentando medir o pulso do povo e das facções rivais.

— Eles querem sangue — murmurou Kael, o olhar fixo em um grupo de soldados mascarados. — E querem alguém para culpar pelo que aconteceu nos túneis.

Lyra não respondeu de imediato. Desde o encontro com a Raiz, sentia-se dividida: parte dela ansiava por expor tudo — os segredos do Éter, a corrupção nas fileiras da aliança, o ciclo de sacrifícios —; outra parte temia que a verdade fosse mais destrutiva do que qualquer mentira.

Zara aproximou-se, a voz baixa e urgente:

— Há rumores de que a aliança pretende declarar estado de exceção. Dizem que vão usar o atentado como justificativa para varrer qualquer oposição. E… estão procurando por nós.

Lyra fechou os olhos por um instante. O fragmento pulsou contra sua pele, como se compartilhasse sua inquietação. Uma imagem fugaz atravessou sua mente: Mirastella em chamas, multidões fugindo enquanto a cidade desmoronava sob o próprio peso das mentiras.

Mas também viu outra possibilidade: pessoas reunidas em torno de uma verdade dolorosa, mas libertadora. A chance de romper o ciclo — não pela força, mas pela coragem de encarar o passado.

— Preciso falar com eles — disse Lyra. — Com todos. Não apenas os líderes ou soldados. Preciso ser ouvida antes que seja tarde.

Kael hesitou.

— Tem certeza? Eles não vão perdoar. Nem você… nem ninguém que te apoiar.

— Não se trata de perdão — respondeu Lyra. — Trata-se de escolha.

A multidão começava a se agitar; um boato sobre invasores infiltrados espalhava-se como fogo pelo vento seco. No alto do palanque improvisado, um dos comandantes da aliança discursava com voz metálica:

— A segurança de Mirastella está ameaçada! Traidores ocultam-se entre nós! Só unidos poderemos sobreviver a mais este ciclo!

O olhar dele cruzou com o de Lyra por um breve instante — um desafio silencioso.

Zara tocou levemente o braço de Lyra.

— Se vai mesmo fazer isso… faça agora.

O fragmento aquecia-se sob sua pele; uma energia bruta e incontrolável pulsava em seu sangue. Lyra avançou pela multidão, sentindo o peso dos olhares sobre si.

Quando subiu ao palanque, o burburinho cessou como se a própria cidade prendesse a respiração.

Ela olhou Kael e Zara à margem da multidão — apoio silencioso, mas inabalável.

Lyra respirou fundo e tirou as faixas que cobriam seu pulso. O fragmento azul-escuro brilhou sob a luz cinzenta do amanhecer.

— Eu carrego a verdade do Éter — começou, voz firme apesar do medo. — E carrego também o preço de cada ciclo repetido nesta cidade. Durante décadas fomos ensinados a obedecer, a temer… mas nunca a questionar quem lucra com nosso silêncio.

Um murmúrio percorreu a praça; alguns soldados ergueram as armas.

— O atentado não foi obra de inimigos distantes. Foi resultado do medo plantado entre nós — continuou ela. — Está na hora de escolhermos: continuamos alimentando esse ciclo com mentiras e sangue… ou enfrentamos juntos nossas fraquezas e nossos erros?

O comandante avançou até ela, olhar gelado.

— Palavras bonitas não apagam crimes. O povo precisa de ordem!

Lyra ergueu o fragmento para todos verem.

— Ordem sem verdade é prisão!

A energia do Éter explodiu à sua volta: imagens projetadas no ar — lembranças coletivas, traumas antigos, rostos conhecidos traídos pelo sistema. A multidão viu não só os erros dos líderes, mas também suas próprias omissões e medos.

Por um instante, tudo ficou suspenso: as armas abaixaram, os olhares se cruzaram cheios de dúvidas e esperança. O ciclo antigo estava ruindo diante deles — mas não havia certezas sobre o que viria depois.

Kael subiu ao palanque ao lado de Lyra; Zara manteve-se próxima à multidão, pronta para agir caso a tensão explodisse novamente.

O comandante hesitou antes de ordenar:

— Prendam-na!

Mas algo havia mudado. Os próprios soldados relutaram — alguns abaixaram as armas; outros olharam para o povo antes de agir.

Lyra sabia: não havia retorno possível. A superfície jamais esqueceria aquilo que estava sendo exposto à luz pela primeira vez em gerações.

No horizonte, as nuvens sanguíneas começavam a se dissipar lentamente, deixando entrever faixas tímidas de azul claro: uma promessa frágil de recomeço — ou apenas a calmaria antes da tempestade final.

Ganchos para o Capítulo 6:

  • Como os diferentes grupos reagem à revelação pública das memórias e verdades coletivas?
  • O que acontecerá com Lyra e seus aliados agora que desafiaram abertamente o sistema?
  • Conseguirá a cidade romper realmente com os ciclos antigos ou novas formas de opressão surgirão?
  • Quais segredos ainda restam escondidos sob Mirastella?
  • Quem é realmente a Raiz — aliada ou manipuladora?

Capítulo 6: As Sombras que Restam

Ano 53 do Fragmento — Mirastella, Ruas e Subsolos

O silêncio depois da revelação era uma presença densa — mais ameaçadora do que qualquer grito. O ar na praça ainda vibrava com ecos das memórias projetadas pelo fragmento; rostos que nunca se viram dividiam agora lembranças íntimas, vergonha e esperança misturadas no olhar.

Lyra desceu do palanque com as pernas trêmulas, sentindo-se exposta e exausta. Kael a segurou pelo cotovelo, guiando-a para longe dos olhares mais hostis. O frio da manhã parecia ter cedido a um calor incerto — como se o próprio clima hesitasse entre tempestade e bonança.

— Você viu? — sussurrou Kael, enquanto avançavam entre becos, desviando dos soldados que ainda hesitavam em cumprir ordens. — Eles não sabem mais em quem acreditar.

Lyra assentiu. Cada passo era uma aposta: alguns moradores abriram portas discretamente, outros fechavam janelas com força. No ar pairava o cheiro de terra molhada e óleo queimado — sinais de que a cidade estava mudando, mesmo sem saber para onde.

Atrás deles, Zara mantinha-se atenta às movimentações das facções rivais. Ela sentiu quando a tensão explodiu em um murmúrio coletivo: rumores de que as tropas da aliança preparavam uma retaliação imediata.

No subsolo da cidade, a Raiz sussurrava através das paredes — palavras antigas que só Lyra compreendia plenamente agora. Ecos de outros ciclos quebrados por tentativas fracassadas de libertação; advertências sobre como sistemas morrem… mas também sobre como podem renascer mais cruéis.

Flashback

Em um breve vislumbre projetado pelo Éter, Lyra viu-se no corpo de uma mulher desconhecida — há décadas. A mesma praça, os mesmos gritos; mas ali o ciclo se fechara em sangue. Os rostos dos traidores eram diferentes, mas o medo era idêntico.

Fim do flashback

A sensação era visceral: a história podia se repetir a qualquer momento.

No esconderijo improvisado, Lyra reuniu-se com Zara e Kael. Havia outros: jovens da resistência, antigos soldados, idosos com olhos cansados de promessas vazias.

— Eles vão atacar antes do pôr do sol — avisou Zara. — Voss não pode permitir que a dúvida se espalhe.

Kael fechou os punhos. — Não podemos fugir mais. Se voltarmos para os túneis...

Lyra ergueu o fragmento; sua luz pulsava como um coração recém-nascido. — Não vamos nos esconder. Não desta vez.

— E se eles destruírem tudo? — alguém perguntou na sala abafada.

Lyra olhou ao redor, buscando palavras que fossem além da esperança vazia:

— A memória é nossa arma. O Éter mostrou que podemos partilhar não só dores, mas escolhas. Se tentarem nos silenciar outra vez… todos já viram quem são eles. Não vamos permitir outro ciclo de esquecimento.

O plano era arriscado: espalhar pequenos fragmentos do Éter — pedras de memória — em pontos estratégicos da cidade. Assim, mesmo que prendessem Lyra ou seus aliados, as verdades não poderiam mais ser apagadas.

Quando Kael saiu para entregar uma das pedras à zona industrial, sentiu-se observado. Entre vapores quentes e o cheiro ácido dos resíduos, cruzou olhares com antigos colegas de farda. Alguns desviaram; outros assentiram brevemente — uma promessa silenciosa de neutralidade, ou talvez de algo mais.

Enquanto isso, Zara encontrou-se com a Raiz em uma câmara secreta sob a muralha leste. O chão pulsava sob seus pés descalços; raízes realmente vivas subiam pelas paredes frias.

— Você teme pelo futuro deles? — perguntou a entidade, voz ecoando em multitudes.

— Temo pelo vazio que virá se falharmos — respondeu Zara.

— Cada ciclo deixa suas cicatrizes… mas são as escolhas pequenas que abrem espaço para algo novo.

Zara fechou os olhos e sentiu lágrimas quentes caindo pela primeira vez em anos.

De volta à superfície, Lyra preparou-se para o confronto final. Não havia certezas; só o som distante dos tambores de marcha e uma multidão dividida, inquieta.

Quando os soldados avançaram sobre a praça ao entardecer, encontraram não apenas resistência física — mas também imagens projetadas pelos fragmentos espalhados: histórias pessoais de perda, coragem e traição; segredos dos líderes expostos diante de todos.

O velho comandante hesitou diante das próprias memórias projetadas pelo Éter. Por um instante, o ciclo pareceu vacilar.

Lyra ergueu a voz:

— Não lutem por mentiras! Lutem pelo direito de lembrar!

O crepúsculo tingiu as nuvens com tons dourados e azul-escuro enquanto Mirastella prendia a respiração diante do destino incerto — entre passado revelado e futuro ainda por escrever.

Epílogo: Entre a Raiz e o Céu

Ano 53 do Fragmento — Mirastella, ao amanhecer

O cheiro de fumaça persistia, misturando-se ao orvalho sobre as pedras. A praça, palco de confrontos e confissões, agora era silenciosa — não de medo, mas de esgotamento coletivo. Rastros do tumulto permaneciam: portas arrancadas, tecidos rasgados ao vento, manchas escuras no solo onde memórias haviam sido disputadas como se fossem corpos.

Lyra caminhava sozinha, os pés nus sentindo a aspereza do chão. O fragmento de Éter, agora apagado, pesava em sua mão como uma promessa cumprida e uma pergunta sem resposta. Ela parou diante das ruínas do palanque. Ali, sentiu um vento frio atravessar as roupas, trazendo consigo vozes dispersas: risos infantis, gritos de raiva, sussurros de esperança. Mirastella era, uma vez mais, um lugar de ecos.

Kael se aproximou, um corte discreto na testa, olhos cansados porém vivos.

— Você acha que acabou? — ele perguntou, a voz arranhada de quem passou a noite acordado.

Lyra hesitou. O horizonte mostrava um sol nascente, mas nuvens pesadas dançavam acima das torres.

— Nada acaba de verdade — respondeu. — Só muda de forma.

Zara surgiu pouco depois, apoiando-se em um cajado improvisado. Trazia notícias: parte dos soldados dispersara; outros juraram proteger os civis até novo acordo. Voss havia desaparecido antes do amanhecer; alguns sussurravam que buscara abrigo nos túneis mais profundos, outros diziam que partira para além das muralhas.

A Raiz silenciara — pelo menos na superfície. Mas Lyra sabia que nos subterrâneos as memórias se reagrupavam, misturando o velho e o novo. Pela primeira vez em gerações, ninguém sabia quem governava Mirastella. Não havia proclamações oficiais nem bandeiras hasteadas. Só o som dos próprios passos e a liberdade desconcertante de decidir o que viria depois.

Por algumas semanas, a cidade permaneceu suspensa: grupos se formaram para limpar destroços, outros para debater o futuro. Não havia consenso — mas havia diálogo.

Certa noite, Lyra retornou à câmara da Raiz. O ar era úmido e pulsante; raízes finas tocavam seus tornozelos como dedos curiosos.

— Você teme o futuro deles? — ecoou a voz da entidade.

— Temo que esqueçamos o preço pago — ela respondeu.

A Raiz permaneceu calada por um longo instante. Então:

— Memória é solo fértil e veneno. Cabe a vocês plantar ou envenenar.

Ao sair dos túneis, Lyra encontrou Kael e Zara esperando no alto da muralha leste. Dali viam-se as luzes tênues da cidade e, além delas, campos adormecidos sob névoa pálida.

— Para onde vamos? — Kael perguntou.

Zara sorriu com uma tristeza leve:

— Para onde nunca fomos antes.

Por fim, Lyra ergueu o fragmento apagado ao céu pálido. Não havia respostas prontas nem garantias de redenção. Mas havia espaço — vasto e desconhecido — para escolhas inéditas.

Enquanto desciam pela muralha rumo à cidade acordando lentamente, cada passo era uma semente lançada ao futuro incerto, entre a raiz e o céu.


Reflexão Final

Em Mirastella, a verdade não foi apenas revelada; foi compartilhada e multiplicada até se tornar impossível de ser apagada novamente. Mas verdades expostas não são antídoto imediato para ciclos antigos: só abrem a porta para novas possibilidades — e perigos.

O ciclo foi quebrado? Ou apenas transformado?

A resposta pertence agora aos que restam — e aos que virão depois deles.

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